A Febre Familiar do Mediterrâneo (FFM) é uma síndrome hereditária, autoinflamatória, causada por uma mutação no gene MEFV (Mediterranean fever). Essa mutação afeta a produção da pirina, uma proteína fundamental no mecanismo que regula o processo de inflamação em nosso corpo.
Embora a FFM seja hereditária, isso não significa que os pais necessariamente tenham a doença. Para que um indivíduo desenvolva a síndrome, é preciso herdar a mutação do gene MEFV de ambos os genitores. Além disso, a doença é mais comum em pessoas de origem mediterrânea, como árabes do norte africano, turcos, armênios, gregos, italianos e judeus sefarditas. No entanto, também tem ocorrido em grupos com outras origens, como judeus asquenazes, cubanos e japoneses.
Sintomas e Manifestações Clínicas
A maioria dos indivíduos com FFM começa a apresentar sintomas antes dos 20 anos (90% dos casos), e metade deles manifesta sinais da doença nos primeiros 10 anos de vida. Os episódios característicos envolvem febre alta acompanhada por:
- Dor abdominal (presente em 95% dos casos)
- Dor torácica (ocorre em 20-40%)
- Dor articular (afeta 50-60%) principalmente nos membros inferiores e como monoartrite, isto é, inflamação que afeta uma única articulação, principalmente de membros inferiores, como quadril, pernas e joelhos.
- Eritema do tipo erisipela (30% dos pacientes), uma erupção cutânea avermelhada, geralmente observada nas articulações inferiores afetadas pela doença
Além dessas manifestações, as crises podem incluir pericardite (inflamação da membrana externa que reveste o coração), miosite (inflamação muscular), meningite (inflamação da membrana que rodeia o cérebro e medula espinal), orquite (inflamação em redor dos testículos), peritonite (inflamação da membrana que envolve o abdômen), pleurite (inflamação da membrana que reveste os pulmões e a parede torácica), além de vasculites sistêmicas, principalmente doença de Behçet, púrpura de Henoch-Schöenlein e poliarterite nodosa.
Os episódios de febre e dor costumam durar até quatro dias, resolvendo-se espontaneamente. A frequência varia entre duas crises por semana e uma crise por ano, sendo mais comum uma crise a cada duas a seis semanas.
Diagnóstico e possíveis confusões
O diagnóstico da FFM pode ser desafiador, pois os sintomas podem se assemelhar a outras doenças inflamatórias e reumáticas. Em crianças, por exemplo, a dor e o inchaço nas articulações podem ser confundidos com Febre reumática ou Artrite idiopática juvenil. Episódios com dor abdominal podem levar a diagnósticos incorretos de apendicite aguda, resultando em cirurgias desnecessárias.
A avaliação clínica feita por um médico reumatologista, portanto, é parte muito importante do diagnóstico, ao lado de testes genéticos que podem confirmar a mutação no gene MEFV. Exames laboratoriais, como dosagem de proteína C reativa e SAA (proteína sérica amiloide A), auxiliam na identificação da inflamação crônica e do risco de amiloidose renal, uma das complicações mais graves da doença.
Tratamento e perspectivas
O tratamento padrão da FFM é feito com colchicina, um medicamento de origem vegetal com forte ação anti-inflamatória. Seu uso reduz a frequência dos ataques e previne a amiloidose renal.
Nos casos em que a colchicina não é eficaz, podem ser indicados medicamentos imunobiológicos, como anacinra e canacinumabe, especialmente para pacientes com vasculites sistêmicas e altos níveis de SAA.
Prognóstico
O prognóstico da FFM é muito bom quando a doença é tratada corretamente, permitindo aos pacientes uma boa qualidade de vida. No entanto, ainda não existe uma cura definitiva, reforçando a importância do diagnóstico precoce e do controle rigoroso dos sintomas.
Referências
MAGALHÃES, Cristina M.R; PIOTTO, Daniela G.P; TERRERI, Maria Teresa. Síndromes autoinflamatórias. In: Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Barueri (SP), Manole, 2019, p. 356-357.
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