[Tecnologia que cuida] Ciência nacional: os genes que ajudam a prever doenças reumáticas

 Série "Tecnologia que cuida"



A série "Tecnologia que cuida" têm como objetivo explorar como a tecnologia — especialmente a Inteligência Artificial (IA) — está transformando o cuidado médico, com foco em personalização, inovação e impacto na vida dos pacientes, principalmente os reumáticos.

No primeiro texto da série, falamos sobre como a IA está começando a ajudar os médicos na compreensão sobre as características das doenças, dando início a uma nova era: a da medicina de precisão. No segundo texto, falamos sobre o papel da genética nessa nova fase da medicina.

Hoje, falaremos sobre de que modo a medicina de precisão está ganhando força no Brasil, embora ainda seja uma área em desenvolvimento devido à falta de investimento e aos altos custos. E a Reumatologia é uma das áreas que pode se beneficiar dessa revolução. 

A medicina de precisão, como já dissemos, permite o diagnóstico mais certeiro de algumas doenças e um planejamento melhor e mais seguro do tratamento. Surgiu com projetos que sequenciaram o genoma humano (sequência completa de DNA), mas o Brasil "padece da escassez de parâmetros biológicos que permitiriam saber quais variantes genéticas causam doenças por aqui. Isso porque os sequenciamentos que funcionam como referência internacional foram obtidos, em sua maioria, a partir de pessoas de ascendência europeia do hemisfério Norte" (Guimarães, 2025). 

Vem daí o interesse do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) do Ministério da Saúde ao criar o Programa Nacional de Genômica e Saúde de Precisão – Genomas Brasil. Esse Programa, criado em 2020, visa o sequenciamento de 100 mil genomas brasileiros até o final de 2026, dos quais 36 mil já foram sequenciados e outros 31 mil já contam com financiamento para a pesquisa. Envolve cerca de 250 outros projetos de pesquisa e desenvolvimento científico, entre eles o Genomas SUS, que integra várias universidades espalhadas pelo país. 

Iniciado em 2024, o Genoma SUS contribuirá com o sequenciamento de 21 mil genomas completos de brasileiros, que irão compor a base de dados do Programa Genomas Brasil. O objetivo é compreender as relações entre genes e doenças, identificar predisposições genéticas a doenças e avançar em pesquisas que sirvam de base para diagnóstico e tratamento, além de conhecer um pouco mais a diversidade da genética da população brasileira. Com esses avanços, espera-se que tratamentos inovadores se tornem acessíveis para incorporação do SUS, beneficiando usuários com diversas doenças, entre elas o câncer, doenças infecciosas, doenças cardiovasculares, neurológicas, endócrino-metabólicas, autoimunes, hematológicas e raras.

Outra iniciativa na área da genética é o projeto “Medicina de precisão na determinação de preditores de prognóstico e resposta terapêutica a inibidores de TNF em pacientes com Artrite reumatoide: um olhar nos receptores do inflamassoma”, estudo coordenado pela professora Andréa Name Colado Simão, do Departamento de Patologia, Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e sobre a qual falamos muito rapidamente no segundo post.

O objetivo do projeto é investigar os genes NLRP1 e NLRP3, ligados ao inflamassoma, um aglomerado de proteínas que regula o processo de inflamação. Normalmente, o inflamassoma tem um papel benéfico, ajudando as células a responderem a uma enfermidade; entretanto, sua ativação repetida e descontrolada desempenha um papel crítico no desenvolvimento das doenças autoimunes.

A pesquisa pretende, então, verificar se alterações nesses dois genes podem impactar em uma maior ou menor intensificação do processo inflamatório e associar essas variações a respostas a tratamentos e a medicações. Isso pode ajudar a prever se pessoas com alterações nesses genes teriam mais propensão a ter a Artrite reumatoide, se poderiam desenvolver a doença de forma mais agressiva ou se responderiam melhor ou pior a determinado tratamento. Com esses dados, os médicos podem ajustar o tratamento desde o início, evitando tentativas e erros com terapias que talvez não funcionem para determinados perfis genéticos.

A inovação brasileira passa também pela Inteligência Artificial (IA). Trata-se de um projeto  reconhecido e premiado internacionalmente: o desenvolvimento do MRad, um modelo baseado em IA que consegue prever a progressão da doença pulmonar intersticial associada à Artrite reumatoide (RA-ILD), uma das formas mais graves da doença. O diagnóstico precoce das alterações pulmonares em pacientes com AR é difícil, pois os sintomas iniciais nem sempre são percebidos nos exames atualmente existentes. Mas com esse método inédito, é possível detectar os sinais, antes quase invisíveis. 

O MRad — projeto liderado pela Dra. Licia Maria Henrique da Mota, diretora científica da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) — analisa as imagem de tomografia computadorizada e aplica algoritmos que detectam riscos de progressão da doença muito antes dos sintomas se agravarem ou dos testes de função pulmonar indicarem problemas.

Temos aqui apenas alguns exemplos de iniciativas brasileiras que, com investimento, colaboração e visão de futuro, tem potencial de transformar o cuidado do brasileiro, inclusive na saúde pública — e com identidade própria.




Referências

BOMFIM, Rafaella. Criação brasileira possibilita mais precisão no exame pulmonar. Correio brasiliense, 02 jun. 2025. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/tecnologia/2025/06/7134119-invencao-brasileira-possibilita-mais-precisao-no-exame-pulmonar.html. Acesso: 04/10/2025.

GUIMARÃES, Maria. Diversidade genômica pode ajudar o SUS. Pesquisa FAPESP. 04 jun. 2025. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/diversidade-genomica-pode-ajudar-o-sus/. Acesso: 05/10/2025.

VITORETTI, Edson. Projeto usa medicina de precisão e inteligência artificial para combater artrite reumatoide. O Perobal - UEL, 29 jul. 2025. Disponível em: https://operobal.uel.br/ccs/2025/07/29/projeto-usa-medicina-de-precisao-e-inteligencia-artificial-para-combater-artrite-reumatoide/. Acesso: 04/10/2025.

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